sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
De volta a 1997
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Há 10 anos uma epopéia
Porque é inesquecível
Há exatos dez anos, o Vasco, depois de três vice-campeonatos na temporada (Mundial Interclubes, Rio-SP e Estadual), conseguiu reverter, em uma decisão de torneio internacional, um placar de 3 a 0 no primeiro tempo dentro da casa do adversário e com um jogador a menos nos últimos 15 minutos, com o placar em 2 a 3. Precisa dizer mais alguma coisa?
As campanhas até a decisão
Na primeira fase, o Vasco terminou na segunda colocação do Grupo E, atrás do Atlético-MG, com 10 pontos. Após a estreia com derrota por 4 a 3 para o Peñarol em Montevidéu, o time superou o San Lorenzo em São Januário por 2 a 0, mas depois perdeu para o Galo no Mineirão por 2 a 0 e empatou com o Peñarol em casa por 1 a 1. A classificação parecia complicada, mas outros 2 a 0 sobre o San Lorenzo na Argentina e o triunfo pelo mesmo placar em seu estádio contra o já classificado time mineiro garantiu a vaga. Nas quartas-de-final, disputa duríssima com o Rosário Central: uma vitória em casa por 1 a 0 para cada equipe e o triunfo vascaíno nos pênaltis por 5 a 4. Nas semifinais, o cruzamento mais tranqüilo, curiosamente contra o tradicional River Plate: 4 a 1 na Argentina e 1 a 0 em São Januário garantiram os cruzmaltinos na grande decisão.
O Palmeiras também ficou atrás de uma equipe mineira em seu grupo, o B. Estreou com o empate em 1 a 1 com o Universidad Católica em São Paulo, venceu o Independiente fora por 2 a 1, perdeu para o Cruzeiro em casa por 2 a 0, superou o time chileno como visitante por 3 a 1, bateu os argentinos em casa por 2 a 0 e garantiu a sua classificação com um empate sem gols em Belo Horizonte. Nas quartas, outra vez o Cruzeiro. Mas desta vez o confronto direto foi favorável aos paulistas, com vitórias por 3 a 2 no Palestra Itália e 2 a 1 no Mineirão. Nas semifinais, novo encontro com os mineiros e mais duas vitórias: 4 a 1 em casa e 2 a 0 fora sobre a Atlético-MG.
A melhor campanha dava ao Palmeiras a vantagem de decidir em casa e também ser o mandante em uma eventual terceira partida. No primeiro jogo, vitória vascaína por 2 a 0, gols de Juninho Pernambucano e Romário; na volta, 1 a 0 para o Palmeiras, gol de Neném. Como o saldo de gols não era critério de desempate, ficou tudo para a terceira partida, no Palestra Itália.
Escalações
Palmeiras (4-3-1-2): 12-Sérgio; 26-Arce, 13-Gilmar, 4-Galeano e 19-Tiago Silva; 5-Fernando, 6-Magrão e 15-Taddei; 20-Flávio; 8-Juninho e 9-Tuta (11-Basílio). Técnico: Marco Aurélio.
Vasco (4-2-2-2): 1-Hélton; 29-Clébson, 3-Dovan, 13-Júnior Baiano e 18-Jorginho Paulista; 5-Nasa (9-Viola) e 2-Jorginho (7-Paulo Miranda); 31-Juninho Pernambucano e 23-Juninho Paulista; 17-Euller (4-Mauro Galvão) e 11-Romário. Técnico: Joel Santana.
O jogo
Primeiro Tempo
Era a reestreia de Joel Santana no comando do time cruzmaltino, depois de Eurico Miranda demitir Oswaldo de Oliveira por cumprimentar Luiz Felipe Scolari, técnico do Cruzeiro e desafeto do dirigente, em São Januário no empate em 2 a 2 pela semifinal da Copa João Havelange. O novo treinador fez apenas uma mudança na equipe: trocou Paulo Miranda por Nasa no meio-campo. O plano era repetir a estratégia de Antônio Lopes nas conquistas do Brasileiro de 1997 e do Estadual e da Libertadores do ano seguinte: com a bola, os laterais viraram alas e Nasa cobria o lado esquerdo da defesa; com o time plantado, ele fazia suas funções normais de volante.
Na prática, porém, a mexida não surtiu o efeito esperado, com o time carioca desorganizado e nervoso. E o Palmeiras, com o apoio da torcida, impôs uma correria e apertou a marcação na saída de bola para que a bola não chegasse ao perigoso ataque adversário. Ofensivamente, a aposta era nas bolas paradas de Arce e na velocidade de Juninho pela direita.
Logo aos dois minutos, Taddei chutou de longe assustando Hélton. Três minutos depois, a primeira tentativa de Arce em cobrança de falta perigosa. Aos 15, Tuta, de volta após 17 dias sem jogar, chutou fraco para defesa do goleiro vascaíno. Os visitantes sentiram a pressão e passaram a cometer muitas faltas. Nasa levou amarelo por falta dura em Juninho e Odvan, depois de entrada dura em Tuta e o árbitro “pipocar”, acabou advertido no minuto seguinte por pancada em Flávio.
Aos 22, mais uma vez Arce tentou na bola parada, mas Hélton espalmou a córner. Quatro minutos depois, o paraguaio bateu falta pela direita e Flávio raspou de cabeça para fora. Aos 27, a primeira chance vascaína, em chute de fora da área de Romário que Sérgio espalmou. Se o time de Joel Santana demorou a aparecer no ataque, a primeira incursão em bloco, com a aproximação de seu quarteto rápido e talentosíssimo formado pelos Juninhos Pernambucano e Paulista, Euller e Romário, expôs as dificuldades da lenta e mal arrumada defesa alviverde.
O jogo ficou mais aberto. Aos 31, Clébson falhou, Taddei tomou e tocou para Tuta, que demorou a chutar e bateu prensado com Odvan. Na volta, após nova falha da defesa do time da casa, Juninho Paulista, livre, chutou em cima de Sérgio.
Paradoxalmente, quando o Vasco parecia equilibrar, veio a “avalanche verde”, iniciada com o pênalti tolo de Júnior Baiano, que sem nenhuma razão colocou a mão na bola dentro da área numa disputa com Gilmar após cobrança de escanteio de Arce. E foi o paraguaio que bateu a penalidade máxima com força, à direita de Hélton, e abriu o placar. 1 a 0.
Tonto, o time vascaíno deu a saída e, na retomada de Magrão, o aniversariante do dia completando 22 anos à época, o passe para Tuta chutar, Hélton espalmar e o próprio volante completar de cabeça para enlouquecer o Palestra Itália. 2 a 0.
Aos 43, numa tentativa de reação, Juninho Pernambucano fez boa jogada pela esquerda e cruzou forte, mas Sérgio voou e fez boa intervenção antes que a bola chegasse a Euller. Dois minutos depois, veio o que parecia ser o “tiro de misericórdia”: em outra falha de Júnior Baiano, Juninho rolou e Tuta apenas colocou à direita de Hélton. 3 a 0.
Os times foram para o vestiário com os palmeirenses ensandecidos gritando “É campeão!” Magrão disse que vivia um sonho naquela noite. Tuta relembra, em entrevista ao SporTV para a série “Jogos para Sempre”: “A gente respeitava o time do Vasco, mas quando a gente foi para o vestiário era impossível acreditar que eles pudessem virar.”
Na transmissão da TV Globo, o narrador Galvão Bueno anunciava a entrada de Viola na vaga de Nasa já falando que restava ao Vasco ao menos “honrar suas tradições” e os comentaristas Casagrande e Sérgio Noronha não poupavam de críticas o time cruzmaltino. De fato, a virada era inimaginável. Ainda mais para uma equipe traumatizada por tantas derrotas em decisões ao longo daquela temporada.
O grande pecado alviverde foi ter recuado demais na segunda etapa, tirando Flávio da ligação do meio com o ataque o obrigando a marcar pela direita, e expondo sua frágil retaguarda ao ataque vascaíno ainda mais poderoso com a entrada de Viola, que foi jogar como um meia-ponta pela esquerda. A equipe paulista também pareceu sentir o ritmo intenso do primeiro tempo e a maratona de 92 partidas até então na temporada – na época, quem jogava a Libertadores também podia disputar a Copa do Brasil. O Vasco não ficava atrás, com 86 e ainda disputando a Copa João Havelange.
E o que veio a seguir foi um massacre histórico: aos 7, pênalti claro de Fernando em Euller. Um bico no joelho dentro da área ignorado pela arbitragem, talvez pela fama de “cai-cai” do atacante. Três minutos depois, Juninho Paulista tocou, Viola fez o corta-luz e Romário, pela esquerda, bateu e Sérgio espalmou para escanteio.
Aos 13, pênalti, agora bastante duvidoso, de Fernando em Juninho Paulista. Um minuto depois, após muita reclamação, Romário bateu no canto direito e diminuiu. 3 a 1. O Baixinho chegava ao nono gol na competição, se isolando ainda mais na artilharia, e ao 62º na temporada pelo Vasco, quebrando o recorde de Roberto Dinamite. No total, já eram 69, com os sete pela seleção brasileira. Ao final, seriam 73, um número inacreditável para um atacante de 34 anos.
Aos 17, Juninho Paulista, que começou a desequilibrar quando passou a armar o time mais de trás, recebeu de Viola pela esquerda e bateu forte de canhota para fora. Dois minutos depois, Juninho, o do Palmeiras, recebeu cruzamento perfeito de Tiago Silva e, livre, poderia ter mudado toda a história se não tivesse concluído bisonhamente para fora.
O Palmeiras sentiu a sensível melhora do adversário e o relaxamento natural pela vantagem virou nervosismo e catimba. Aos 21, Galeano sofreu falta e claramente valorizou para ganhar tempo. O castigo viria um minuto depois: Juninho Paulista driblou Flávio, tentou tabela com Viola, Magrão desviou e a bola sobrou para o próprio Juninho, que foi derrubado por Gilmar na área. Romário bateu no canto direito de quase sempre e diminuiu aos 24. 3 a 2.
O empate poderia ter saído no minuto seguinte, se Viola e Romário, livres na área, não se atrapalhassem após cobrança de escanteio pela esquerda de Juninho Paulista. A torcida alviverde passou a tentar transmitir a energia e a confiança que já faltavam a seus jogadores. O meio-campo não achava a dupla de Juninhos e Viola e a zaga sofria com a movimentação de Euller.
Aos 31, Joel Santana trocou o cansado Jorginho por Paulo Miranda e Marco Aurélio apostou na velocidade de Basílio, que entrou na vaga do exausto Tuta, para tentar definir o jogo nos contragolpes. Tudo pareceu clarear para o time mandante no minuto seguinte, quando Júnior Baiano, em outra bobagem, fez falta dura em Flávio e foi expulso pelo segundo amarelo.
O Palmeiras saiu da trincheira e chegou a assustar no chute de Flávio que desviou em Odvan e assustou Hélton aos 39. Joel Santana fez o óbvio e manteve seu time no ataque, só pedindo a Paulo Miranda que desse um suporte à zaga na recomposição e ficasse mais plantado. Aos 41, o prêmio pela ousadia: Euller cruzou da direita, Romário pegou mal na bola, que passou por Viola e sobrou para o onipresente Juninho Paulista, que bateu fraco de canhota, mas Sergio aceitou. 3 a 3.
Na sequência, Romário girou sobre Arce e Gilmar dentro da área, mas o zagueiro salvou no momento da conclusão. As intenções eram confusas: Romário, os Juninhos e Viola acreditavam na virada e pediam a bola para continuar atacando. Na defesa, Hélton levou amarelo por fazer cera e Joel Santana, no banco de reservas, pedia o final da partida.
E aos 48, quando a disputa por pênaltis parecia certa, Viola e Jorginho Paulista atropelaram a marcação adversária com velocidade impressionante, a bola sobrou para Juninho Paulista que bateu, a bola desviou em Tiago Silva e sobrou, generosa, para Romário fazer história. 4 a 3.
A comemoração em São Paulo e nas ruas do Rio de Janeiro foi arrepiante. Pessoas de pijamas e com rostos amassados, pois tinham ido dormir após os 3 a 0 do primeiro tempo, foram vibrar junto com os persistentes que continuaram assistindo à partida e os loucos que acreditaram num time que parecia fadado ao fracasso, mas conseguiu subverter tudo e sair com a taça continental.
Foi o título da fibra, da fé e da perseverança. Também do talento de Juninho Paulista, da raça de Viola e da frieza de Romário. O maior feito do “time da virada” tão cantado pela torcida. A conquista da Copa João Havelange em janeiro seria apenas uma conseqüência natural daquela noite mágica e inesquecível para vascaínos e amantes do futebol.
Vídeo
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Momento nostálgico.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
O tempo e a filosofia
Desidério Murcho
Pensa-se por vezes que se deve abandonar o pensamento filosófico enquanto não houver métodos científicos apropriados para investigar tais temas. Há nesta perspectiva dois aspectos que merecem reflexão. Em primeiro lugar, trata-se de uma ideia filosófica e não científica. Isto é, não se poderá provar num laboratório, ou através de um cálculo matemático, que devemos abandonar o pensamento filosófico. A filosofia é irrecusável porque mesmo para a recusar é necessário argumentar filosoficamente, o que é auto-refutante. Compare-se com a recusa da astrologia, que não exige que se argumente astrologicamente; e imagine-se quão ridículo seria um argumento contra a astrologia baseado num mapa astral. Pode-se recusar a reflexão filosófica sobre temas particulares, com argumentos filosóficos particulares que mostrem que tais temas são insusceptíveis de reflexão séria, mas não se pode recusar a filosofia em bloco sem usar argumentos filosóficos, o que acarreta uma contradição óbvia. A filosofia é apenas o exercício da capacidade para o pensamento crítico sobre qualquer tema susceptível de ser pensado sistematicamente, mas insusceptível de tratamento científico. E saber que temas são susceptíveis de serem pensados sistematicamente já é um problema filosófico.
Em segundo lugar, esta ideia denuncia uma incapacidade para compreender a natureza da própria ciência. A ideia falsa é que a ciência é um conjunto de resultados que devemos dominar para depois completar. A realidade, contudo, é muito diferente. São as perguntas, muitas vezes filosóficas, que pressionam o aparecimento de métodos de resposta — não são os métodos de resposta que determinam tudo o que há para perguntar (apesar de os métodos de resposta nos permitirem descobrir novas perguntas e novos tipos de perguntas). Argumentar que uma dada pergunta deve ser abandonada só porque não temos de momento qualquer método para lhe responder taxativamente é o primeiro passo para o obscurantismo (e é surpreendente ver hoje cientistas a usar o argumento que no passado os poderes eclesiásticos usaram contra eles). Se este tipo de obscurantismo tivesse prevalecido, não existiria ciência. Pois os métodos científicos de resposta foram estimulados pelas perguntas filosóficas mais importantes, que o obscurantista quer silenciar. Um exemplo particularmente nítido é a pergunta dos filósofos pré-socráticos pela natureza última das coisas, que motivou métodos científicos que permitiram descobrir a existência de moléculas, átomos, electrões e quarks. Declarar tontos os filósofos pré-socráticos porque faziam a pergunta sem ter métodos experimentais adequados é não compreender que sem essa pergunta nunca os métodos para lhe responder teriam sido concebidos.
O reverso da medalha do cientismo é a aplicação acrítica de métodos filosóficos ou falsamente filosóficos a campos de estudo inapropriados. Alguém que se ponha a dissertar filosoficamente sobre a natureza dos electrões, da consciência ou dos genes sem ter em consideração o conhecimento científico relevante que temos sobre esses campos de estudo não pode ser levado a sério. Mas daqui, e da reflexão precedente, não se pode inferir que a filosofia é apenas um preâmbulo da ciência. Por um lado, muitos problemas da filosofia parecem insusceptíveis de um tratamento experimental ou matemático, por maiores desenvolvimentos que a ciência empírica e a matemática possam sofrer. É o que acontece relativamente aos problemas mais centrais da teoria do conhecimento, da metafísica e da ética, por exemplo. Por outro lado, mesmo naquelas áreas em que as ciências, empíricas ou formais, apresentam resultados importantes, subsistem vários problemas filosóficos em aberto. É o que acontece no caso do tempo.
Santo Agostinho (354–430) comentou que se ninguém lhe perguntar, sabe o que é o tempo, mas que fica sem saber explicar-se se lho perguntarem. Referir este comentário é um daqueles lugares-comuns que George Orwell (1903–50) nos incita a nunca repetir porque significam em geral que não se está a pensar. Efectivamente, nada há de especial em relação ao tempo, neste aspecto, ao contrário do que o comentário de Santo Agostinho pode fazer pensar. Em relação a muitas noções centrais estamos na situação de sabermos usá-las correctamente sem todavia sabermos articulá-las e explicá-las de forma sistemática e explícita. É o que acontece com as noções de tempo, espaço, bem, verdade, conhecimento, existência ou arte, entre muitas outras. Compreender estas noções de forma explícita, articulada e sistemática é uma das tarefas centrais da filosofia. Mas não se deve pensar que a ausência de compreensão explícita revela a ausência total de compreensão.
Os problemas filosóficos sobre o tempo pertencem às disciplinas da metafísica e da filosofia da física. A metafísica é a disciplina filosófica que estuda a natureza última da realidade, sendo a ontologia (que estuda que categorias de coisas há) uma província sua. Infelizmente, a palavra "metafísica" foi muito maltratada no séc. XX pelos positivistas lógicos, que usavam o termo mais ou menos como sinónimo de pseudociência ou misticismo; mas a metafísica não é nada disso. Entre os problemas estudados pela metafísica contam-se a natureza do tempo, de que nos ocuparemos aqui, a natureza dos universais (qual é a natureza da brancura, aquilo que as coisas brancas têm em comum?), a natureza da modalidade (o que faz uma afirmação como "A água é H2O" ser necessária?), a natureza da substância (qual é a natureza do que pode ter propriedades mas não pode ser propriedade de coisa alguma?), a natureza da causalidade, etc. A metafísica contrasta com a epistemologia (teoria do conhecimento), que estuda a natureza do conhecimento, e com a lógica, que estuda a inferência válida. Estas são as três disciplinas centrais da filosofia no sentido em que todas as outras abordam problemas epistemológicos, metafísicos ou lógicos, em áreas delimitadas.